segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A vida e a morte e toda a lógica da cadeia alimentar



Há quase dois meses que sinto vontade de escrever isto e apesar de achar que a maioria das pessoas já ouviu falar desta prática continuei a sentir o impulso. Então cá vai...

O chamado "enterro celeste" é um rito funebre tradicional no budismo tibetano, em que o cadáveres são expostos ao ar livre desmembrados.

Do ponto de vista funcionalista a prática terá surgido devido à escasses de madeira na região para proceder à cremação que fica assim reservada aos guias espirituais. O enterramento por seu lado seria reservado a criminosos e vitimas de doenças.

Já do ponto de vista cosmológico a prática faria sentido na medida em que, após a realização de um ritual que auxilia a libertação de toda a consciência do individuo do seu corpo e a sua "transferência" para outro plano, o corpo perde qualquer utilidade. É então, num acto de generosidade, deixado à disposição de outros seres vivos para que dele se possam alimentar.

É esta ultima ideia que faz todo o sentido para mim. Desde pequena que me faz uma certa confusão a obsessão com que se arranca toda a santa ervinha nascida nos cemitérios portugueses. Não sei e não tenho pressa em tomar posição na eterna discussão em torno do que acontece ao espirito/consciência ou lá o que seja, depois da morte do corpo. Só sei que vou sempre sentir saudades dos amigos que morreram e que me anima saber que no universo "nada se perde, tudo se transforma".

Apazigua-me muito mais pensar que aquelas ervinhas em torno da campa de um ente querido têm parte de si e que florescem graças a si, do que qualquer outra ideia sobre eterno descanso ou reencarnação. Sem dúvida que prefiro pensar que ele agora se dividiu e faz parte de um todo maravilhoso que é o universo e a vida. E só gostava de ter conseguido explicá-lo aos corações destroçados com os quais me cruzei.

Além disso há aqui uma questão de justiça, se ao longo da nossa vida nos alimentamos de outros seres vivos parece-me muito bem que outros seres vivos se possam alimetar de nós também. Por questões sanitárias o "enterramento celeste" é posto de parte, mas porquê o horror às ervinhas? Porque não semear aí mesmo as flores que tanto gostamos de aí depositar? 

3 comentários:

  1. Gostei imenso deste post! Realmente fez-me pensar no que seria um bom funeral.
    Mas acho que fora do Tibete, nunca acontecerá algo assim, a não ser que os talhantes fiquem sem trabalho.
    Eu próprio gostava de ser cremado e que as minhas cinzas fossem espalhadas num bosque, ou então enterradas (num bosque, de novo) dentro de um potezinho...

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  2. A morte continua sendo aquele assunto "proibido" e não comentado, ninguém é preparado para isso, cada um lida a sua maneira, geralmente deixando o assunto de lado. Lendo o Lobsang Rampa ele cita esse ritual. Um outro problema é que o o solo congelado dificulta muito os sepultamentos, mas faz todo sentido... um dia nos alimentamos, no outro somo alimento.

    JOPZ

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