terça-feira, 20 de março de 2012

Lua Nova, Rituais de Passagem e Maternidade

   
      Para mim o simbolismo de cada fase da lua nunca foi muito complexo, mas o modo como me relaciono com cada uma delas tem sido distinto.  
   
      Quando encarava um Crescente via a donzela que se enche de fertilidade em potência, ela era a minha Afrodite, a minha aliada secreta nas paixões de adolescente, chegava o momento de estarrecer a contemplar o seu brilho, cantar, dançar nua, sonhar… Depois chegava a Lua Cheia, um ventre prenhe, símbolo inequívoco da maternidade mas longe da minha experiência pessoal. Continuava a estarrecer ao seu imenso luar, a sentir aquela protecção de mãe, pedia saúde para o meu ventre, mas estava longe de a pensar como a minha fase. Vinha então o Minguante para a velha anciã, sábia mas ríspida, distante da minha fase da vida, mas sempre disponível para um puxão de orelhas. Queimava-lhe um pau de incenso depois de um cumprimento respeitoso, pedia sabedoria mas não me sentia preparada para mais. Por fim vinha aquele momento cheio de mistério, a transição do ciclo lunar, a Lua Nova associada à morte e ao renascimento, à menstruação, à decomposição que fertiliza… algumas fontes falavam de uma quarta faceta da deusa a descobrir, mas sem mais pormenores, tornando o momento em algo de obscuro, até mesmo assustador... a maioria referia o período como um momento de repouso e reflexão. O que fazia eu nesse momento? Nada, silêncio respeitoso e busca incessante pelo primeiro sinal de retorno da donzela. Parecia haver entre mim e a Lua Nova um tábu.

     Ora o que vos venho falar hoje é da minha recente reflexão sobre o significado desta fase e a relação que se está a estabelecer entre mim e ela. Ontem tomei consciência que a Lua Nova tem andado a acompanhar de perto muitas datas importantes dos últimos tempos. Senão vejamos, depois do Imbolc e Beltane de 2011 que rondaram a Lua Nova, verifico que a concepção do meu filhote se deu braço dado com ela. Seguiu-se o Equinócio de Outono, o Solstício de Inverno, e até mesmo o Carnaval. Mas a coisa vai prosseguir, assim é agora com o Equinócio da Primavera e será com o meu aniversário e a data provável de parto. O feitiço parece quebrar-se com o Solstício de Verão pois aparentemente será a ultima data comemorativa do ano a rondar esta fase. Foi esta observação que me fez recordar o significado da Lua Nova enquanto transição entre a morte e o renascimento e reflectir na maternidade enquanto momento de life-crisis e na ideia de ritual de passagem.
    
     A Lua Nova não é só da menstruação, nem da morte, também é do parto e de qualquer outro momento life-crisis, ritual de passagem ou iniciação. É um fim e um recomeço, sim recomeçar porque por muito que se mude não se faz tábua rasa daquilo que eramos antes. A vida entendida como a nossa simples existência ou o funcionamento do próprio universo é um processo contínuo e acumulativo, que no entanto vejo como cíclico. Vejo-o bem descrito e representado no acto de desenhar uma espiral, em que a cada volta se acumula distância face ao epicentro.
   
    É a fase que se liga perfeitamente à maternidade porque representa perfeitamente aquela que ainda é a realidade do parto para a maioria das mulheres do mundo. Na nossa sociedade actualmente já não achamos nada de misterioso nem muito assustador nisto, temos imensos cuidados médicos à nossa disposição e podemos optar por um parto sem dor, mas para a maioria das mulheres do mundo ainda se pode morrer disto. No entanto em boa parte do mundo quando uma mulher se prepara para parir não sabe se volta, nem sabe a dimensão das sequelas, apenas pode ter mais ou menos coragem e preparação. Estas mulheres experienciam, em especial no primeiro parto, o mesmo que se espera sentir num ritual de passagem e iniciação.    

    Algumas mulheres são mães sem passar pelo parto, no entanto a Lua Nova também está lá para elas, porque para todas há a morte de um estilo de vida e o início de outro, a atribuição de uma nova identidade e até provavelmente um novo relacionar com o divino.

    O Crescente pode ter sido a minha fase nas minhas passagens anteriores, a Lua Cheia poderá ser a minha nova aliada por muitos anos, mas é a Lua Nova quem me acompanha agora e por isso estou convicta de que devo celebrá-la.

Rituais de passagem femininos – Qual o momento?

   

    Na nossa sociedade os rituais de passagem são raros mas alguns de nós pensamos neles e tecemos sonhos sobre a sua experiência. Já há muitos anos que fazia esta pergunta a mim própria “Qual o momento, na minha sociedade, em que nos tornamos mulheres? E portanto qual seria o momento mais apropriado para um ritual de passagem? A menarca? A 1º relação sexual? Ou a maternidade?”. Hoje acho que todos eles marcam realmente momentos de life-crisis, apropriados à ritualização de uma transformação faseada onde estes três momentos são de facto marcantes, embora por vezes só tenhamos noção da sua dimensão real anos mais tarde.

    Aquando da minha menarca pensei imenso no facto de aquilo supostamente me assinalar como mulher mas eu sentir-me mais como uma miúda. Ok, não era bem uma miúda, era adolescente, mas isso não era ser mulher, pelo menos na minha sociedade. Podia-se ter feito imensas coisas para a ritualizar o momento mas nada foi feito, até porque era visto principalmente como algo chato mas inevitável. Perguntaram-me se tinha dores e os absorventes apropriados, recordaram-se umas dicas práticas e pouco mais. Não reparei na dimensão da coisa ao nível da minha auto-estima, nem percebi mais tarde o modo como isso influenciou a minha relação com a divindade.

    Fui praticamente a última da turma e era a mais velha, menstruar subiu imenso a minha auto-estima. Sem dúvida que era naqueles dias que eu ganhava coragem para falar com os rapazes, ao menstruar sentia-me mais mulher ainda que tivesses os seios mais pequenos. Quando comecei a relacionar-me com a deusa a minha concepção de Donzela (Crescente) derivaria claramente desta noção de fertilidade em potência e de jovem sedutora, que a menarca assinala.

    Os anos passaram e com a maternidade muito distante e os 18 anos já feitos, conclui que na nossa sociedade a primeira relação sexual seria uma passagem bem mais efectiva. Assim decidi-me a ritualizar imenso a coisa, a escolha do dia e do local estavam cheias de romantismos decalcados das obras de Bradley. No entanto depois do acto consumado senti um desajuste, já não era uma verdadeira donzela mas a necessidade absoluta de anticoncepcionais também não me aproximava da fase seguinte de mãe e isto seria assim por muitos anos. Pensei bastante no assunto, decidi que o crescente continuava a ser a minha fase mas senti sempre um certo desconforto. Mais tarde a coisa piorou, quando experienciei uma entrega verdadeira e correspondida, percebi que a minha 1ª vez tinha sido uma autêntica autoflagelação motivada pelas razões erradas (ver post ). Fiquei muito revoltada comigo própria, qual ritual de passagem ou iniciação qual carapuça, burrice, isso sim. No entanto, hoje reconheço novamente aquele momento como um life-crisis perfeito, foi como passar do 8 ao 80, eu não sabia nada sobre relações humanas deste tipo, e hoje tudo o que sei, aprendi graças ao que foi desencadeado naquele momento. Foi uma grande passagem e uma iniciação.

    Agora chegou a vez da maternidade, esta passagem não era ansiada nem foi programada mas chegou até mim e com ou sem ritualização não há como a ignorar. Vou morar com outra pessoa de um modo intimo e que não é meramente temporário e ser responsável pela sobrevivência de alguém que não pode cuidar de si próprio. Isto acarreta transformações tais que mesmo que não tivessem havido passagens anteriormente, agora iria mudar certamente. E ainda há o momento crucial do parto; existem movimentos feministas pagãos que reclamam pelo resgate do parto natural, num momento íntimo e exclusivamente feminino, mas será esta a minha direcção? Terei coragem para um parto natural? Em que circuntâncias será responsável um parto em casa? Ficará a minha experiência diminuída se optar pela epidural? Oponho-me à presença de médicos homens? São tudo questões para reflectir sériamente.

    E mais tarde chegará o fim da minha vida reprodutiva, será a menopausa o momento que nos ligamos à anciã. Também aqui haverá questões a pensar e ao contrário de anteriormente não haverá uma data exacta a apontar. É um pouco como o atingir da maturidade masculina e por isso mesmo, na minha opinião, a ritualização pode assumir um carácter especialmente importante.