quarta-feira, 16 de março de 2011

Serração da Velha


   Agora que já começa a cheirar a Primavera e todos começamos a sentir um impulso de renovação, deixo-vos dois relatos de uma prática tanto quanto sei já extinta na minha zona e que costuma ser interpretada como parte dos ritos de renovação da época. É de notar que neste concelho nem mesmo a sóbria quaresma, num tempo em que 99,9% da população era católica praticante, conseguiu por travão à energia da estação tão convidativa à folia.

“Era feita na quarta feira que meava a Quaresma. Juntavam-se os rapazes com todos os utensilios que semanas antes conseguiram juntar: latas velhas, campainhas das vacas, chocalhos, paus, etc.


Iam a casa de todas as pessoas mais idosas do lugar. Havia os que colaboravam e os que «afinavam», quando o porta voz do grupo perguntava:

- Ó velho, o que dás para o enterro?

- Um copo de vinho!

- Ó rapaziada toquem-lhe os sinais cada vez mais!

E a algazarra era ensurdecedora, entravam para a adega e bebiam com o velho.

E seguiam para outro velho/a.

- Ó velho o que dás para o enterro?

- Os tomates do meu bezerro!

- Ó rapaziada toquem-lhe os sinais cada vez mais!

Em casa da tia Ana:

- Ó velha o que dás para o enterro?

- Ó seus malandros esperem aí!

E pela porta ou janela vinha um tição de lume, uma infusa de água ou um «penico de mijo» (já tudo esperado).

A festa e o barulho redobravam.

- Ó rapaziada toquem-lhe os sinais cada vez mais!

A outros atavam a porta por fora, não dando possibilidade ao morador de fazer o que quisesse; mas era massacrado até que ao grupo apetecesse.



Recolha feita na Torre (Fev/87)"





“A ti Rosa é velha velhota

Salte cá para fora

Para levar uma serrota



O ti António é velho velhote

Salte cá para fora

Embrulhado no seu capote



A ti Joséfa é velha velhinha

Salte cá para fora

Para nos dar uma pinguinha



A ti Joaquina é velha magrinha

Salte cá para fora

E venha dar-nos uma sardinha



A ti Ermelinda é velha regateira s

Salte cá para fora

Dê-me uma merendeira



O ti João é velho e malandrau

Salte cá para fora

Para levar com o pau



O ti Adriano é velho matreiro

Salte cá para fora

Tocar no pandeiro



O ti Afonso é velho refilão

Salte cá para fora

E agarre o cão



Isto fazia-se ao meio da quaresma. Juntavam-se uns homens com umas latas e uns serrotes corriam as casas todas do lugar a cantar estes versos.

Recolha feita em Santo Antão (Fev/87)”