terça-feira, 20 de março de 2012

Rituais de passagem femininos – Qual o momento?

   

    Na nossa sociedade os rituais de passagem são raros mas alguns de nós pensamos neles e tecemos sonhos sobre a sua experiência. Já há muitos anos que fazia esta pergunta a mim própria “Qual o momento, na minha sociedade, em que nos tornamos mulheres? E portanto qual seria o momento mais apropriado para um ritual de passagem? A menarca? A 1º relação sexual? Ou a maternidade?”. Hoje acho que todos eles marcam realmente momentos de life-crisis, apropriados à ritualização de uma transformação faseada onde estes três momentos são de facto marcantes, embora por vezes só tenhamos noção da sua dimensão real anos mais tarde.

    Aquando da minha menarca pensei imenso no facto de aquilo supostamente me assinalar como mulher mas eu sentir-me mais como uma miúda. Ok, não era bem uma miúda, era adolescente, mas isso não era ser mulher, pelo menos na minha sociedade. Podia-se ter feito imensas coisas para a ritualizar o momento mas nada foi feito, até porque era visto principalmente como algo chato mas inevitável. Perguntaram-me se tinha dores e os absorventes apropriados, recordaram-se umas dicas práticas e pouco mais. Não reparei na dimensão da coisa ao nível da minha auto-estima, nem percebi mais tarde o modo como isso influenciou a minha relação com a divindade.

    Fui praticamente a última da turma e era a mais velha, menstruar subiu imenso a minha auto-estima. Sem dúvida que era naqueles dias que eu ganhava coragem para falar com os rapazes, ao menstruar sentia-me mais mulher ainda que tivesses os seios mais pequenos. Quando comecei a relacionar-me com a deusa a minha concepção de Donzela (Crescente) derivaria claramente desta noção de fertilidade em potência e de jovem sedutora, que a menarca assinala.

    Os anos passaram e com a maternidade muito distante e os 18 anos já feitos, conclui que na nossa sociedade a primeira relação sexual seria uma passagem bem mais efectiva. Assim decidi-me a ritualizar imenso a coisa, a escolha do dia e do local estavam cheias de romantismos decalcados das obras de Bradley. No entanto depois do acto consumado senti um desajuste, já não era uma verdadeira donzela mas a necessidade absoluta de anticoncepcionais também não me aproximava da fase seguinte de mãe e isto seria assim por muitos anos. Pensei bastante no assunto, decidi que o crescente continuava a ser a minha fase mas senti sempre um certo desconforto. Mais tarde a coisa piorou, quando experienciei uma entrega verdadeira e correspondida, percebi que a minha 1ª vez tinha sido uma autêntica autoflagelação motivada pelas razões erradas (ver post ). Fiquei muito revoltada comigo própria, qual ritual de passagem ou iniciação qual carapuça, burrice, isso sim. No entanto, hoje reconheço novamente aquele momento como um life-crisis perfeito, foi como passar do 8 ao 80, eu não sabia nada sobre relações humanas deste tipo, e hoje tudo o que sei, aprendi graças ao que foi desencadeado naquele momento. Foi uma grande passagem e uma iniciação.

    Agora chegou a vez da maternidade, esta passagem não era ansiada nem foi programada mas chegou até mim e com ou sem ritualização não há como a ignorar. Vou morar com outra pessoa de um modo intimo e que não é meramente temporário e ser responsável pela sobrevivência de alguém que não pode cuidar de si próprio. Isto acarreta transformações tais que mesmo que não tivessem havido passagens anteriormente, agora iria mudar certamente. E ainda há o momento crucial do parto; existem movimentos feministas pagãos que reclamam pelo resgate do parto natural, num momento íntimo e exclusivamente feminino, mas será esta a minha direcção? Terei coragem para um parto natural? Em que circuntâncias será responsável um parto em casa? Ficará a minha experiência diminuída se optar pela epidural? Oponho-me à presença de médicos homens? São tudo questões para reflectir sériamente.

    E mais tarde chegará o fim da minha vida reprodutiva, será a menopausa o momento que nos ligamos à anciã. Também aqui haverá questões a pensar e ao contrário de anteriormente não haverá uma data exacta a apontar. É um pouco como o atingir da maturidade masculina e por isso mesmo, na minha opinião, a ritualização pode assumir um carácter especialmente importante.

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