Agora que já começa a cheirar a Primavera e todos começamos a sentir um impulso de renovação, deixo-vos dois relatos de uma prática tanto quanto sei já extinta na minha zona e que costuma ser interpretada como parte dos ritos de renovação da época. É de notar que neste concelho nem mesmo a sóbria quaresma, num tempo em que 99,9% da população era católica praticante, conseguiu por travão à energia da estação tão convidativa à folia.
“Era feita na quarta feira que meava a Quaresma. Juntavam-se os rapazes com todos os utensilios que semanas antes conseguiram juntar: latas velhas, campainhas das vacas, chocalhos, paus, etc.
Iam a casa de todas as pessoas mais idosas do lugar. Havia os que colaboravam e os que «afinavam», quando o porta voz do grupo perguntava:
- Ó velho, o que dás para o enterro?
- Um copo de vinho!
- Ó rapaziada toquem-lhe os sinais cada vez mais!
E a algazarra era ensurdecedora, entravam para a adega e bebiam com o velho.
E seguiam para outro velho/a.
- Ó velho o que dás para o enterro?
- Os tomates do meu bezerro!
- Ó rapaziada toquem-lhe os sinais cada vez mais!
Em casa da tia Ana:
- Ó velha o que dás para o enterro?
- Ó seus malandros esperem aí!
E pela porta ou janela vinha um tição de lume, uma infusa de água ou um «penico de mijo» (já tudo esperado).
A festa e o barulho redobravam.
- Ó rapaziada toquem-lhe os sinais cada vez mais!
A outros atavam a porta por fora, não dando possibilidade ao morador de fazer o que quisesse; mas era massacrado até que ao grupo apetecesse.
Recolha feita na Torre (Fev/87)"
“A ti Rosa é velha velhota
Salte cá para fora
Para levar uma serrota
O ti António é velho velhote
Salte cá para fora
Embrulhado no seu capote
A ti Joséfa é velha velhinha
Salte cá para fora
Para nos dar uma pinguinha
A ti Joaquina é velha magrinha
Salte cá para fora
E venha dar-nos uma sardinha
A ti Ermelinda é velha regateira s
Salte cá para fora
Dê-me uma merendeira
O ti João é velho e malandrau
Salte cá para fora
Para levar com o pau
O ti Adriano é velho matreiro
Salte cá para fora
Tocar no pandeiro
O ti Afonso é velho refilão
Salte cá para fora
E agarre o cão
Isto fazia-se ao meio da quaresma. Juntavam-se uns homens com umas latas e uns serrotes corriam as casas todas do lugar a cantar estes versos.
Recolha feita em Santo Antão (Fev/87)”